28 setembro 2012

Richie Sambora, Aftermath of the Lowdown (2012)

Ao terceiro ensaio a solo, Richie Sambora, compositor, produtor e guitarrista dos Bon Jovi, não repete fórmulas antigas; não se lamenta dos infortunios da vida ou cola-se à imagem da banda que lhe deu fama. Pelo contrário, o talentoso músico apoia-se em Luke Ebbin, que desde 2002 não trabalhava com a banda, escolhe uma editora independente e consegue não só aproveitar o que de melhor os seus dois primeiros discos alcançaram, como integrar as novas sonoridades e experiências pessoais numa viagem pelos últimos 14 anos da sua vida.


A aventura começa com o single de apresentação Every Road Leads Home to You, tema musicalmente mais comercial e influênciado pelo último disco de originais dos Bon Jovi, The Circle. No entanto, os teclados repetitivos tipicos de uns Coldplay, não ofuscam o rock adulto e sentido que transborda a honestidade de quem admite que todos precisamos de um lar (home) para onde caminhamos sempre que as forças escasseiam.

Em Sugar Daddy, o experimentalismo e veia de guitarrista são o prato forte deste tema que é provavelmente o mais controverso do disco. O aparente caos é no entanto complementado com solos arrojados e que relembram as raízes Blues que Richie Sambora sempre usou como sua imagem de marca. Um tema que definitivamente necessita de várias passagens para conseguir ser correctamente compreendido e assimilado.

Weathering the Storm é o primeiro momento mais calmo do disco e no qual são endereçadas as dificuldades vividas pelo autor durante os últimos anos. Melodicamente dramática, a esperança de um novo começo condimenta e faz deste um tema épico que, mais do que sobre a queda, reflecte sobre a capacidade de reunir de forças e erguermo-nos perante as dificuldades.

Depois de um tema mais emotivo, nada melhor que um jam divertido e é isso mesmo que acontece com Burn the Candle Donwn. Na senda de Who I Am do disco anterior, mas mais arrojado e com guitarras que despoletam um sorriso a qualquer amante dos hinos dos anos 70. Os solos sucedem-se num comboio que a pouco e pouco vai ganhando balanço até atingir a velocidade cruzeiro na qual consegue abrir caminho, tornando-se um furacão para quem quer que esteja a ouvir. Uma sonoridade old school que infelizmente se torna cada vez mais rara nos temas mais comerciais de hoje em dia.

Depois da tempestade chega a bonança e a toada country de Takin’ a Chance on the Wind, que consegue precisamente acalmar as hostes num mid tempo competente e que, ao invés do country moderno abordado pelos Bon Jovi em Lost Highway, bebe as influências mais profundas do estilo, com teclados, guitarra e uma secção ritmica que navegam sem medo em sonoridades clássicas , mas arrojadas. Ao nível da letra, a temática não poderia se encaixar melhor, pois o optimismo dos destemidos é cantado em plenos pulmões por uma voz característica e que qualquer fã facilmente identifica. É importante destacar a boa forma em que Richie se apresenta, a nível vocal, conseguindo transmitir um sentimento e emotividade que respiram honestidade.

Nowadays não se assemelha apenas em termos do seu título ao tema dos Foo Fighters. A sonoridade speedada e conteúdo crítico à sociedade, sem esquecer a belíssima bridge de guitarra, apenas pecam mesmo pela proximidade ao tema mencionado. Trata-te de Rock simples e directo, sem maquilhagem e de uma honestidade brutal.

A toada rockeira continua com Learning to Fly (broken wing), relembrando-nos o tema título de Undiscovered Soul. A fragilidade da vida emocional dos Seres Humanos é abordada sem censura e acompanhada de guitarras que gritam sangrando, sem conseguirem esconder as verdades que sentem e que transbordam de uma alma ferida, mas que recusa a render-se.

Forgiveness Street é a resposta à raiva do tema anterior, tal como Harleim Rain ou The Answer dos primeiros discos, esta balada acústica olha os factos olhos nos olhos e no meio da desilusão e desencanto, descobre o maior desafio do Ser Humano: a capacidade de perdoar. Sem ter medo da verdade, o tema é uma reflexão simples e dolorosa, mas ao mesmo tempo libertadora.ação)

O acústico prossegue numa toada mais optimista em Walk Beside You, um tema que vai crescendo ao longo dos 5 minutos que dura. A simplicidade de música e letra provam que não são necessários truques elaborados para construir uma canção que consegue comunicar uma emotividade contagiante. Poderia explodir ainda mais é verdade, mas talvez a contenção que, em câmara lenta, constrói a atmosfera, não deixa de impressionar. O carinho consciente e emotivo é porventura a maior virtude desta grande canção de um compositor maior no panorama musical da actualidade.

À décima faixa, e depois do crescendo emocional, a obra prima, Seven Years Gone é a explosão maior em termos emocionais que, tal como You're Not Alone do anterior disco, faz luz e descobre a lucidez de quem vê a realidade não pintada por um abstraccionista, deprimente ou hilariante, mas a sangue frio e com o coração a bater com toda a força. Se o inicio demonstra

Aftermath Of The Lowdown – review por Pedro Pico (continuação)
as bases do artista com uma estrutura clássica de um tema Rock, depois da bridge o tema abre e, tal como diz,"that's life, it's all about living“, despoleta um conjunto de solos e guitarradas que não se acanham e provocam um vendaval de emoçōes. Os mais de 5 minutos parecem escassos para um épico que rompe preconceitos e dispara verdades difíceis de assimilar, acompanhado de uma melodia rock comandada pela guitarra, mas em que teclados e secção rítmica não são abafados e contribuem igualmente para um ambiente cinematográfico digno do clímax da acção. Numa palavra: perfeito!

You Can Only Get So High é o rescaldo (Aftermath) anunciado pelo titulo do disco. Com características de rock clássico dos épicos dos Beatles conduzidos por McCartney, esta balada soul não esconde os exageros do autor pelo mundo das substâncias que por demasiadas vezes apagam os génios do rock precocemente. Mas, ao contrário destes, é a sabedoria dos sobreviventes que inunda este tema , colocando em palavras a verdade que poucos como Bob Dylan, Rolling Stones, Bruce Springsteen ou mesmo os Metallica conseguiram alcançar: não são as substâncias que compōem os discos e se elas forem evitadas, é possível estender carreiras geniais durante décadas e décadas. Richie Sambora, com este tema, prova que não é apenas um sobrevivente, mas que tem consciência desta verdade e que hoje faz parte deste leque de lendas vivas.

World é o clássico a la Beatles que encerra o disco e que, à semelhança de The Answer, captura a cultura rock do artista. Aqui o autor sobressai e demonstra como se faz um tema clássico sobre um tema universal. Passado, presente e futuro convergem numa única palavra: world. E apesar dos altos e baixos é ele que nos sempre acompanhará. Esta metáfora para a alma comum e que congrega todos os Seres, não poderia estar mais bem posicionada, encerrando o disco com a simplicidade, honestidade e conclusão para a qual todo o disco converge.

Depois de escutar todo o disco é impossível escapar à integridade conceptual que este encerra. Todos os temas são capítulos meticulosamente ordenados e orquestrados para compor um livro de sofrimento, aprendizagem e esperança onde, tal como em tantos romances, existe um protagonista que parte numa aventura de auto-descoberta, na qual existem fases mais divertidas e outras mais dolorosas.
Apesar de ser um disco de um guitarrista, é notória a fluidez com que todos os instrumentos são abordados, construindo harmoniosamente para um todo coerente.

Após a inocência e juventude do solitário Stranger in This Town e da paixão e introspecção de Undiscovered Soul, Aftermath of the Lowdown é, tal como o título indica, um rescaldo de um tempo tumultuoso, em que mais do que simplesmente esquecer, o autor reflecte e assimila lições de vida.
Mais do que encerrar uma trilogia de discos a solo, só podemos esperar que seja um novo inicio para este artista que, além de abrilhantar uma das bandas de rock de maior sucesso, é provavelmente, a solo, dono da carreira que constitui o tesouro mais bem guardado deste estilo de musica.
Depois de tudo isto, apenas podemos pedir que não sejam precisos outros 14 anos para recebermos outra obra prima.

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