28 setembro 2012

7800º Fahrenheit, 1985

Apenas um ano depois do álbum de estreia os Bon Jovi apressaram-se em voltar ao estúdio para gravar o seu segunda longa duração. Tendo feito digressões ao lado de nomes sonantes do Rock da altura, como os Scorpions ou os KISS, durante todo o ano de 1984, a banda não parou para descansar e abraçou a sua segunda experiência de estúdio.

Ainda a crescer enquanto banda e em busca das melhores formas de trabalhar em equipa, coube a Jon Bon Jovi a tarefa de compor os temas base. No entanto, em termos de arranjos músicais, houve um notório passo em frente com a inclusão de riffs de guitarra bem mais trabalhados da autoria de Richie Sambora, assim como atmosferas melódicas criados pelos teclados de David Bryan. A tentativa de colaboração e trabalho de equipa é levada ao extremo, sendo que Tico Torres tem neste disco a sua única composição com crédito num tema da banda.


Lance Quinn, que tinha trabalhado na produção do disco de estreia com Tony Bongiovi, assumiu o papel principal na produção, levando a banda para Filadelfia. Na cidade berço dos EUA foi concebido um som mais pesado e com detalhes sem fim. O álbum foi baptizado de "7800º Fahrenheit" (temperatura de um vulcão em erupção) e a banda estava em chamas, pronta para conquistar as tabelas mundiais, ou pelo menos era essa a sua intenção. Todos os membros da banda encontravam-se no entanto com problemas nas suas vidas pessoais (principalmente no que diz respeito às relações amorosas) e o sentimento acabou por transbordar para as letras do disco. Enquanto em "Bon Jovi" a temática era sobretudo acerca de luxúria, em "7800º Fahrenheit" debruça-se principalmente sobre o fim de relações.

"In and Out of Love" é o primeiro tema do disco e começa com um fade in no qual se ouve toda a banda a ecoar o título da música a plenos pulmões. Um poderoso ritmo de bateria inrrompe então para dar sinal à guitarra para começar o riff que é repetido inúmeras vezes já com toda a banda em plena força a descarregar energia nesta faixa bem musculada. Partilhando muita da energia das últimas faixas do primeiro disco, esta é uma música que fica no ouvido, na qual se sente uma banda descontraída e com vontade de se divertir. Sem forçar nada, instintivamente a banda demonstra um lado cool, jogando com a estrutura do tema e mesmo arriscando uns risos e diálogos durante o solo. De um modo geral trata-se de um excelente tema de abertura, que quando reproduzido ao vivo iria durar cerca de 10 minutos, sendo introduzido por solos de bateria e guitarra, os quais conseguem criar o ambiente certo para dar inicio ao tema. Esta faixa teve direito a ser lançada como single, sendo mesmo gravado um video para a promover. No entanto apesar dos momentos divertidos do video, este tenta de uma forma forçada contar uma história e mostrar a banda a actuar ao vivo em simultâneo, acabando por confundir o espectador (um problema recorrente nos videos deste disco). Em suma, um bom começo, criando boas perspectivas para o disco.

A segunda faixa, "Price of Love", trata-se de um tema rock apressado contendo vários riffs de guitarra, coros altos e uma secção ritmica estável que permitem as guitarras brilhar e os teclados embelezar a música com diversos pormenores interessantes. A sobreposição de várias guitarras começa a fazer-se notar nesta faixa, algo que de certa forma acaba por caracterizar todo o disco. Esta faixa nunca foi tocada ao vivo, provavelmente pela dificuldade em reproduzi-la com apenas duas guitarras, um facto lamentavel, visto que apesar de não ser brilhante, permite descortinar o processo evolutivo da banda.

"Only Lonely" foi o primeiro single do disco e se nele estão incluidas músicas dramáticas, esta consegue sobresair como a que maior tensão dramática cria. Os teclados criam a atmosfera de uma cena de suspanse e é quase como ver um filme onde multiplas camadas de sons de guitarra se sobrepõem, num ritmo crescendo que culmina nos coros a plenos pulmões do refrão. A bridge que precede o solo com o tick tack de uma bomba consegue criar ainda mais emoção e, como um grito sentido, a guitarra explode para se poder ouvir de novo o refrão e o subsequente fadeout. Sendo demasiado dramática, a faixa tenta de uma forma forçada ser cienamática, perdendo o bom ambiente criado pelas músicas anteriores. Através do video, a banda tentou investir numa história que acabou por ser demasiado confusa, levando a MTV a recusar-se a passa-lo.

"King of the Mountain" tenta ter um groove simples mas metódico, dando protagonismo ao baixo e bateria. No entanto o drama da faixa anterior consegue contagiar também esta faixa, tornando-a num filler com pouco mais do um bom solo de guitarra.

Segue-se a balada do disco, "Silent Night", uma balada acústica com os teclados a criarem a atmosfera e a distorção dos power chords a ecoar no fim de cada frase. Provavelmente a primeira vez que Jon Bon Jovi consegue transmitir desilusão e dor numa canção, sendo esta faixa um bom exemplo do processo evolutivo que conduziria a banda a uma das caracteristicas pelas quais ficariam mais conhecidos: a power balad. Apesar de demasiado crua e de falharem alguns detalhes na produção, no compto geral, trata-se de uma boa canção que consegue transmitir o desalento e tristeza de um fim de relação.

"Tokyo Road" começa com uma melodia tradicional Japonesa cantada pela voz celestial de uma criança, uma sentida e merecida homenagem ao país que melhor tratou a banda durante o seu primeiro ano. Esta é provavelmente a melhor música do disco visto que a banda se liberta totalmente dos tons mais dramáticos e consegue reproduzir um Rock simples e directo. A música é divertida, descomprometida e oferece o que o público em última análise mais quer de uma banda Rock: a celebração de música com uma vibração optimista. O interludio antes do solo de guitarra diminui o ritmo, conseguindo criar a expectativa necessária para que a guitarra consiga entrar de rompante e fazer toda a sua magia. Uma faixa Rock, dominada pela guitarra, na qual mesmo os coros assentam que nem uma luva. Por alguma razão esta foi a faixa do disco que mais tempo perdurou nos alinhamentos ao vivo da banda.

O riff de guitarra da introdução de "The Hardest part is the night" cria uma separação nítida com a faixa anterior, seguindo-se um ambiente de teclado que denuncia o dramatismo que se segue. Esta música consegue capturar a atmosfera do disco e é porventura a sua melhor representante. Os coros estridentes, teclados cinemáticos, riffs chorosos e palavras desesperadas, colapsam em conjunto numa música bem estruturada que consegue ser mais real que muitas das restantes do disco.
"Always Run to you" tem um trabalho de guitarra estupendo, bem como sintetizadores interessantes. São no entanto as duas únicas notas positivas sobre a faixa, que acaba por ser apenas mais uma com excessiva carga dramática.

Como um vulcão em erupção, "(I don't wanna fall) To the Fire" chega ao refrão, onde explode. Um excelente trabalho conjunto de guitarra e teclados conseguem preencher todo um ritmo que apesar de lento consegue transmitir intensidade. No entanto não há nada de novo e que fique para história, algo que a propria banda se apercebeu ao nunca ter escolhido este tema para ser tocado ao vivo.

Outro riff de guitarra marca o inicio que apesar de ao inicio soar fresco e cheia de ritmo, acaba por ser apenas mais um refrão desesperado. Apesar de ter um bom ritmo durante os versos e um solo de guitarra que encaixa que nem uma luva, "Secret Dreams" acaba por não adicionar nada ao resultado global, terminando o disco com o mesmo clichet servido vezes sem conta durante o disco: drama desesperado.
Infelizmente. este é um caso típico de um album que sofre de excessiva produção, dado que as várrias camadas de sons asfixiam a melodia, que é sufocada entre tantos sons distintos tocados ao mesmo tempo - uma característica que seria corrigida pelo proximo produtor.

De um modo geral não se trata de um mau segundo disco, no entanto haviam notoriamente algumas arestas a limar. Alguns dos erros poderiam por certo ter sido evitados, no entanto a mão cheia de boas canções que se salvam, conseguem dar sentido ao segundo álbum de estúdio dos Bon Jovi. Foi com este disco que a banda foi pela primeira vez cabeça de cartaz numa digressão (no Japão e Europa), permitindo ainda que actuassem estensivamente nos EUA, desta vez como banda de suporte dos RATT, ou mesmo participando em Festivais de renome como Farm Aid ou o mítico Monsters of Rock.

Apesar de ter falhado o objectivo de produzir singles de sucesso e de ter sido arrazado pela crítica (apagando alguma da boa imagem criada pelo disco de estreia), "7800º Fahrenheit" permitiu à banda arrecadar o seu primeiro disco de Ouro e mante-los vivos na cena Rock. Este disco é um optimo exemplo de um processo de evolução de uma banda em ascenção. Tal como acontecera com o disco anterior, este foi mais um passo na evolução da banda. Com ele conseguiram melhorar as estruturas das músicas e foi-lhes permitido aprender com os seus próprios erros. Os dois anos e meio entre 1983 e o início de 1986 acabaram por ser o período de encobação para a banda, ou seja, o tempo que eles precisavam para se conhecerem, experimentarem muitas abordagens alternativas e escolherem o seu próprio caminho a seguir.

Richie Sambora, Aftermath of the Lowdown (2012)

Ao terceiro ensaio a solo, Richie Sambora, compositor, produtor e guitarrista dos Bon Jovi, não repete fórmulas antigas; não se lamenta dos infortunios da vida ou cola-se à imagem da banda que lhe deu fama. Pelo contrário, o talentoso músico apoia-se em Luke Ebbin, que desde 2002 não trabalhava com a banda, escolhe uma editora independente e consegue não só aproveitar o que de melhor os seus dois primeiros discos alcançaram, como integrar as novas sonoridades e experiências pessoais numa viagem pelos últimos 14 anos da sua vida.


A aventura começa com o single de apresentação Every Road Leads Home to You, tema musicalmente mais comercial e influênciado pelo último disco de originais dos Bon Jovi, The Circle. No entanto, os teclados repetitivos tipicos de uns Coldplay, não ofuscam o rock adulto e sentido que transborda a honestidade de quem admite que todos precisamos de um lar (home) para onde caminhamos sempre que as forças escasseiam.

Em Sugar Daddy, o experimentalismo e veia de guitarrista são o prato forte deste tema que é provavelmente o mais controverso do disco. O aparente caos é no entanto complementado com solos arrojados e que relembram as raízes Blues que Richie Sambora sempre usou como sua imagem de marca. Um tema que definitivamente necessita de várias passagens para conseguir ser correctamente compreendido e assimilado.

Weathering the Storm é o primeiro momento mais calmo do disco e no qual são endereçadas as dificuldades vividas pelo autor durante os últimos anos. Melodicamente dramática, a esperança de um novo começo condimenta e faz deste um tema épico que, mais do que sobre a queda, reflecte sobre a capacidade de reunir de forças e erguermo-nos perante as dificuldades.

Depois de um tema mais emotivo, nada melhor que um jam divertido e é isso mesmo que acontece com Burn the Candle Donwn. Na senda de Who I Am do disco anterior, mas mais arrojado e com guitarras que despoletam um sorriso a qualquer amante dos hinos dos anos 70. Os solos sucedem-se num comboio que a pouco e pouco vai ganhando balanço até atingir a velocidade cruzeiro na qual consegue abrir caminho, tornando-se um furacão para quem quer que esteja a ouvir. Uma sonoridade old school que infelizmente se torna cada vez mais rara nos temas mais comerciais de hoje em dia.

Depois da tempestade chega a bonança e a toada country de Takin’ a Chance on the Wind, que consegue precisamente acalmar as hostes num mid tempo competente e que, ao invés do country moderno abordado pelos Bon Jovi em Lost Highway, bebe as influências mais profundas do estilo, com teclados, guitarra e uma secção ritmica que navegam sem medo em sonoridades clássicas , mas arrojadas. Ao nível da letra, a temática não poderia se encaixar melhor, pois o optimismo dos destemidos é cantado em plenos pulmões por uma voz característica e que qualquer fã facilmente identifica. É importante destacar a boa forma em que Richie se apresenta, a nível vocal, conseguindo transmitir um sentimento e emotividade que respiram honestidade.

Nowadays não se assemelha apenas em termos do seu título ao tema dos Foo Fighters. A sonoridade speedada e conteúdo crítico à sociedade, sem esquecer a belíssima bridge de guitarra, apenas pecam mesmo pela proximidade ao tema mencionado. Trata-te de Rock simples e directo, sem maquilhagem e de uma honestidade brutal.

A toada rockeira continua com Learning to Fly (broken wing), relembrando-nos o tema título de Undiscovered Soul. A fragilidade da vida emocional dos Seres Humanos é abordada sem censura e acompanhada de guitarras que gritam sangrando, sem conseguirem esconder as verdades que sentem e que transbordam de uma alma ferida, mas que recusa a render-se.

Forgiveness Street é a resposta à raiva do tema anterior, tal como Harleim Rain ou The Answer dos primeiros discos, esta balada acústica olha os factos olhos nos olhos e no meio da desilusão e desencanto, descobre o maior desafio do Ser Humano: a capacidade de perdoar. Sem ter medo da verdade, o tema é uma reflexão simples e dolorosa, mas ao mesmo tempo libertadora.ação)

O acústico prossegue numa toada mais optimista em Walk Beside You, um tema que vai crescendo ao longo dos 5 minutos que dura. A simplicidade de música e letra provam que não são necessários truques elaborados para construir uma canção que consegue comunicar uma emotividade contagiante. Poderia explodir ainda mais é verdade, mas talvez a contenção que, em câmara lenta, constrói a atmosfera, não deixa de impressionar. O carinho consciente e emotivo é porventura a maior virtude desta grande canção de um compositor maior no panorama musical da actualidade.

À décima faixa, e depois do crescendo emocional, a obra prima, Seven Years Gone é a explosão maior em termos emocionais que, tal como You're Not Alone do anterior disco, faz luz e descobre a lucidez de quem vê a realidade não pintada por um abstraccionista, deprimente ou hilariante, mas a sangue frio e com o coração a bater com toda a força. Se o inicio demonstra

Aftermath Of The Lowdown – review por Pedro Pico (continuação)
as bases do artista com uma estrutura clássica de um tema Rock, depois da bridge o tema abre e, tal como diz,"that's life, it's all about living“, despoleta um conjunto de solos e guitarradas que não se acanham e provocam um vendaval de emoçōes. Os mais de 5 minutos parecem escassos para um épico que rompe preconceitos e dispara verdades difíceis de assimilar, acompanhado de uma melodia rock comandada pela guitarra, mas em que teclados e secção rítmica não são abafados e contribuem igualmente para um ambiente cinematográfico digno do clímax da acção. Numa palavra: perfeito!

You Can Only Get So High é o rescaldo (Aftermath) anunciado pelo titulo do disco. Com características de rock clássico dos épicos dos Beatles conduzidos por McCartney, esta balada soul não esconde os exageros do autor pelo mundo das substâncias que por demasiadas vezes apagam os génios do rock precocemente. Mas, ao contrário destes, é a sabedoria dos sobreviventes que inunda este tema , colocando em palavras a verdade que poucos como Bob Dylan, Rolling Stones, Bruce Springsteen ou mesmo os Metallica conseguiram alcançar: não são as substâncias que compōem os discos e se elas forem evitadas, é possível estender carreiras geniais durante décadas e décadas. Richie Sambora, com este tema, prova que não é apenas um sobrevivente, mas que tem consciência desta verdade e que hoje faz parte deste leque de lendas vivas.

World é o clássico a la Beatles que encerra o disco e que, à semelhança de The Answer, captura a cultura rock do artista. Aqui o autor sobressai e demonstra como se faz um tema clássico sobre um tema universal. Passado, presente e futuro convergem numa única palavra: world. E apesar dos altos e baixos é ele que nos sempre acompanhará. Esta metáfora para a alma comum e que congrega todos os Seres, não poderia estar mais bem posicionada, encerrando o disco com a simplicidade, honestidade e conclusão para a qual todo o disco converge.

Depois de escutar todo o disco é impossível escapar à integridade conceptual que este encerra. Todos os temas são capítulos meticulosamente ordenados e orquestrados para compor um livro de sofrimento, aprendizagem e esperança onde, tal como em tantos romances, existe um protagonista que parte numa aventura de auto-descoberta, na qual existem fases mais divertidas e outras mais dolorosas.
Apesar de ser um disco de um guitarrista, é notória a fluidez com que todos os instrumentos são abordados, construindo harmoniosamente para um todo coerente.

Após a inocência e juventude do solitário Stranger in This Town e da paixão e introspecção de Undiscovered Soul, Aftermath of the Lowdown é, tal como o título indica, um rescaldo de um tempo tumultuoso, em que mais do que simplesmente esquecer, o autor reflecte e assimila lições de vida.
Mais do que encerrar uma trilogia de discos a solo, só podemos esperar que seja um novo inicio para este artista que, além de abrilhantar uma das bandas de rock de maior sucesso, é provavelmente, a solo, dono da carreira que constitui o tesouro mais bem guardado deste estilo de musica.
Depois de tudo isto, apenas podemos pedir que não sejam precisos outros 14 anos para recebermos outra obra prima.